O que você ainda precisa saber sobre o Hidrogênio Verde

Tempo de leitura: 7 minutos

Escrito por Daiane Elert, Vinícius Vidoto e Rosane Fukuoka em junho de 2022

No artigo anterior, foram respondidas algumas perguntas recorrentes sobre o hidrogênio verde, objeto do programa Expandir da Mitsidi, disponível no link do YouTube

A seguir, damos continuidade, trazendo mais respostas a outras perguntas pertinentes ao tema.

Quais são as barreiras financeiras do Hidrogênio Verde?

Atualmente a maior produção de hidrogênio é o cinza (proveniente do gás natural), utilizado nas indústrias petroquímicas e, para que o hidrogênio verde seja competitivo, ele deve chegar a um valor próximo do cinza, ou seja, na ordem de 2 dólares por kg/H2. Nesse contexto, hoje, o Brasil consegue produzir hidrogênio verde por 4 a 3,8 dólares o kg/H2 e as projeções futuras são promissoras, evidenciando o país como um dos principais exportadores de H2 nos próximos anos, chegando a menos de 1 dólar por quilo antes de 2050, segundo relatório da Bloomberg NEF (Hydrogen Economy Outlook).

Quais são as principais políticas e estratégias nacionais que abordam o tema?

Em relação às estratégias nacionais, existem algumas referências como o PNE 2050 que menciona o hidrogênio como um vetor energético estratégico que precisa ser incentivado para a descarbonização nos próximos anos. Também existe a publicação da EPE de “Bases para a consolidação da estratégia brasileira do hidrogênio”, publicada em fevereiro de 2021, que traz o panorama do hidrogênio, assim como possibilidades tecnológicas, considerações de custos e desafios no setor. Também foi criado, em julho de 2021, o Programa Nacional do Hidrogênio pelo MME, em cooperação com o MCTI e MDR, junto com o apoio técnico da EPE, que traz diretrizes para a instituição de um primeiro programa no Brasil, que estabelece 6 eixos temáticos. 

Recentemente, também surgiu um Projeto de Lei, a PL 725/2022, que dispõe sobre a inserção do hidrogênio como fonte energética nacional e estabelece parâmetros de incentivo ao uso do hidrogênio sustentável (produzido a partir das fontes solar, eólica, biomassa, biogás e hidráulica). Mais informações podem ser obtidas no link.

Quais são as principais iniciativas no Brasil para a produção e utilização do Hidrogênio Verde?

O Brasil é um dos líderes em PD&I em H2 na LAC, com diversos núcleos de pesquisa como o Laboratório de Hidrogênio (LabH2) da COPPE-UFRJ, o Laboratório de Hidrogênio (LH2) da UNICAMP, o Núcleo de Pesquisa em Hidrogênio (NUPHI) do Parque Tecnológico Itaipu (PTI), criado por convênio firmado entre Itaipu Binacional e a Eletrobras, e por fim o Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL) do Instituto de Economia da UFRJ. 

Neste sentido, no setor público, predomina os investimentos em projetos (68%), principalmente utilizando recursos do Programa de P&D da ANEEL. A seguir, seguem alguns exemplos dessas chamadas públicas:

  • Chamada “Missão Estratégica Hidrogênio Verde”, objeto da parceria do SENAI e CTG Brasil (uma das líderes em geração de energia limpa no país), maior chamada no país até o momento com foco em H2 Verde, a ação tem como objetivo impulsionar soluções em energia limpa com foco na produção, armazenamento, distribuição e novas fontes, mas também em outras áreas que fazem parte da cadeia de hidrogênio verde, como mobilidade, indústria e agricultura. 

Fonte: CTGBrasil

  • Chamada P&D Estratégico ANEEL “Desenvolvimento de Soluções em Mobilidade Elétrica Eficiente” (2018): incluiu a busca por projetos que apresentassem soluções para a mobilidade elétrica, tais como modelos de negócio, equipamentos, tecnologias, serviços, sistemas e infraestrutura para suporte ao desenvolvimento e à operação dos veículos elétricos ou híbridos plug-in, baterias ou células combustível, incluindo o hidrogênio (ANEEL, 2019).
  • Chamada P&D Estratégico ANEEL “Arranjos Técnicos e Comerciais para a Inserção de Sistemas de Armazenamento de Energia no Setor Elétrico Brasileiro“ (2016). 

Fonte: Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa)

  • Nesta chamada especificamente, destacam-se alguns projetos:
  • Projeto Hidrogênio de Furnas Centrais Elétricas S/A: Desenvolvimento de Sinergia entre as fontes hidrelétrica e solar com armazenamento de energias sazonais e intermitentes em sistemas de hidrogênio e eletroquímico – SHSBH2. Tem, como principal conceito, o desenvolvimento de um sistema formado por diversas tecnologias de geração e cogeração de energia, incluindo a energia solar fotovoltaica com a instalação de painéis no entorno e no reservatório, de armazenamento energético via hidrogênio, e de interações com a área de mobilidade elétrica, podendo incluir ainda aplicações não energéticas do hidrogênio disponibilizado a partir do processo de eletrólise. (FURNAS, 2021)

Fonte: Eletrobras Furnas

  • Projeto de Armazenamento de Energia da CESP: vem sendo desenvolvido, na usina hidrelétrica Engenheiro Sergio Mota / Porto Primavera (UHE), um complexo de energias renováveis alternativas (usinas solares, eólica e sistemas de armazenamento de energia), que faz parte de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) desenvolvidos pela companhia. O objetivo é que o excedente de energia gerada das fontes hidrelétrica e solar seja convertido em hidrogênio verde através do processo de eletrólise. O hidrogênio é armazenado em tanques para posterior utilização durante épocas de seca e horários de pico.
  • Projeto Unidade Piloto de Hidrogênio na UHE Itaipu Binacional: Por meio de uma parceria entre a Itaipu Binacional, a Eletrobras e a Fundação Parque Tecnológico Itaipu (FPTI) e de apoio do Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (CENEH) da Unicamp, o complexo da UHE Itaipu teve início no final de 2014, junto às operações de sua planta de hidrogênio experimental. O principal objetivo do projeto consiste no aproveitamento de energia, que deixa de ser gerada pela água excedente do reservatório para abastecer uma grande central de produção de hidrogênio.
  • Projeto H2: Desenvolvimento de plataforma de análise técnica, econômica e ambiental para viabilidade da produção, do armazenamento, do transporte e do uso final de hidrogênio que tem, como principal objetivo, desenvolver uma plataforma para avaliação de viabilidade técnica, ambiental e econômica da produção, armazenamento, transporte e uso final de hidrogênio azul e verde. O proponente do projeto foi a Guascor do Brasil Ltda.48, empresa do grupo Siemens Ltda. e os responsáveis pela execução são o Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e o Instituto de Energia (IEPUC) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Além da utilização de recursos do país, há diversos projetos sendo financiados por investimentos externos, tais como:

  • Construção do Centro de Produção e Pesquisas em Hidrogênio Verde (CPPHV) na UNIFEI com recurso da GIZ visando tornar a universidade pioneira no desenvolvimento de tecnologias de produção do hidrogênio.
  • Planta Piloto para Produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF): A GIZ e o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) firmaram parceria em abril/2022 para a construção de uma planta para produção de SAF a partir de Biogás e H2 verde em Foz do Iguaçu, PR, advindos da biomassa do setor agropecuário.
  1.  Quais são os desafios para a utilização do Hidrogênio Verde em larga escala? 

Apesar do hidrogênio já ser estudado como uma alternativa energética possível desde os anos 1970, o seu uso se concentrou em aplicações muito específicas, como no refino de petróleo ou na produção de amônia. Mas esse cenário tem mudado em virtude da queda no custo de produção do hidrogênio verde, uma vez que a energia proveniente de fontes renováveis tem se tornado mais barata e a evolução da tecnologia de eletrolisadores tem avançado significativamente. 

Além disso, há um forte movimento das nações para o cumprimento das metas estabelecidas no Acordo de Paris, e vislumbra-se que somente o hidrogênio verde permitirá a descarbonização de alguns setores, conhecidos como grandes poluidores, como a siderurgia e a produção de fertilizantes.

Mas, apesar da redução dos custos nos últimos anos, o preço ainda é um desafio para essa tecnologia, já que, atualmente, o H2 Verde é de 2 a 3 vezes mais caro que o H2 azul, que é mais caro que o cinza pelo processo adicional de captura de carbono. No entanto, espera-se que, em 2030, os preços do H2 verde deverão se tornar competitivos frente aos demais tipos de H2.

Fonte (Coppe/UFRJ)

Assim, como riscos associados à volatilidade e inflamabilidade do hidrogênio no processo de distribuição e armazenamento do H2 são fatores importantes, existem formas sendo desenvolvidas para tornar esse processo mais seguro como a liquefação do gás, a diluição em gás natural ou a agregação à amônia, mas que implicam em aumento do preço pelas etapas adicionais que são criadas. Para abordar isso, extensas fichas de avaliação de riscos devem ser levadas em conta, como a figura abaixo da retirado do Mapfre Global Risk.

Fonte: Inerco

Ainda, é necessário pensarmos sobre questões além das técnicas, como, por exemplo, garantir que a água utilizada na produção do hidrogênio verde não interfira negativamente no abastecimento de uma população próxima à planta de produção. Ou ainda, viabilizar a transição para a tecnologia do hidrogênio de forma justa e equilibrada, sem gerar um custo que inviabilize uma população de menor renda de participar desta transição energética. 

Como exemplo para esse problema social, um modelo de leasing de um caminhão a hidrogênio foi apresentado nos Estados Unidos com um custo entre 5.000 a 7.000 US$/mês (conforme informação). Se tentarmos extrapolar um modelo parecido para o Brasil, fazendo apenas uma conversão de moeda e sem considerar a diferença de indicadores econômicos entre os países, que aumentariam os custos no Brasil, e considerando um valor de frete entre 0,99 à 1,09 R$/eixo/km (conforme informação), é possível estimar que são necessários de 7,5 dias a 11,5 dias considerando que o caminhoneiro trabalhará 11,5h de trabalho por dia e de 10,75 dias até 16,5 dias com 8h de trabalho por dia, o que significa de 25% a 73% do tempo de trabalho mensal (dependendo se forem considerados 22 ou 30 dias de trabalho por mês) para pagar o leasing. Esse é um custo alto para uma parcela considerada de alta importância no uso do hidrogênio. 

Portanto, existem diversos desafios para garantir que a utilização do hidrogênio na transição energética seja bem-sucedida, desde desafios técnicos a desafios sociais, e os entender e solucionar é essencial. É importante entender o papel do hidrogênio na transição energética para uma matriz neutra em carbono e com isso garantir quais desafios devem ter sua solução priorizada e qual o melhor caminho para o futuro desta tecnologia.

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