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É cada vez mais evidente que o mundo está sofrendo com as mudanças climáticas, apresentando temperaturas cada vez mais extremas, desastres naturais cada vez mais fortes e frequentes. Esses efeitos negativos advêm da poluição produzida há séculos pela humanidade como, por exemplo, a emissão ininterrupta de gases do efeito estufa através pelo uso de combustíveis fósseis.

Gases de Efeito Estufa (GEE) são um grupo bastante amplo, mas o mais abundante é o gás carbônico (CO2) e ele é utilizado como fator de proporção para outros. Por exemplo, uma tonelada de metano tem o mesmo efeito na atmosfera que o efeito de aproximadamente 20 a 25 toneladas de gás carbônico, portanto é dito que o potencial de efeito estufa do metano é de 20 a 25 tCO2e (toneladas de gás carbônico equivalente).

Preocupados com as mudanças climáticas e seus efeitos, países da União Europeia e outras potências mundiais, como Estados Unidos, Japão, China, Canadá e outros, estão propondo medidas e objetivos cada vez mais ousados para uma descarbonização em massa até os anos de 2030 e com foco em zerar as emissões de carbono equivalente até 2050.

Para alcançar tais objetivos é necessário compreender a transição energética, que trata de uma mudança de paradigma envolvendo a geração, consumo e reaproveitamento da energia, principalmente ao considerar que a geração de energia em suas mais variadas formas é responsável por grande parte das emissões de GEE mundiais.

Esse conceito parte da migração de matrizes energéticas poluentes, como combustíveis fósseis à base de carvão ou petróleo, para fontes de energia renováveis, como solares, hidrelétricas, eólicas e de biomassa. Essa transição energética também se estende para a eficiência energética, digitalização, meio ambiente, gestão de resíduos e outros meios, de modo que seja atingido o objetivo comum de reduzir as emissões de GEEs.

Neste contexto, o hidrogênio (H2) produzido por meio de processos de baixa ou nula emissão de CO2 surge como uma alternativa de fonte de energia capaz de descarbonizar setores atualmente conhecidos como produtores intensivos de GEEs, liberados na queima dos combustíveis fósseis, como ocorre, por exemplo, nas indústrias do cimento e do aço.

Apesar do H2 não ser uma substância desconhecida e já ser amplamente utilizada em diversos processos, sua utilização como alternativa de descarbonização está fundamentada na possibilidade de obtenção da molécula por meio de energia renovável, bem como de seu uso, sem que haja emissão de gases poluentes, visto que, por exemplo, a combustão do hidrogênio libera apenas Água (H2O) e Oxigênio (O2). No entanto, ainda é necessário evoluir nos processos de produção, transporte e armazenamento do H2, considerando tanto aspectos de segurança quanto de viabilidade técnica e econômica.

O processo de produção de hidrogênio pode ser dividido em três grandes rotas: eletrolítica, térmica e fotolítica, sendo dividido em sete processos principais, aplicáveis a vários recursos, tanto de biomassa, quanto os fósseis. Os processos que utilizam combustíveis fósseis incluem reforma (oxidação parcial, reforma a vapor e oxidação parcial e reforma autotérmica) e a pirólise de hidrocarbonetos.

Já os processos de produção a partir de recursos renováveis podem ser classificados de acordo com a matéria-prima: biomassa ou água. Os processos que utilizam biomassa podem ser divididos em duas subcategorias: termoquímicos e biológicos. O primeiro envolve pirólise, gaseificação, combustão e liquefação da biomassa, enquanto os principais processos biológicos são biofotólise, fermentação no escuro e fotofermentação. A segunda categoria de tecnologias renováveis envolve a produção de hidrogênio a partir da água, por meio de processos de eletrólise, pirólise (termólise) e fotólise (decomposição fotoeletroquímica).

Fonte: Investment Tax Credits for Hydrogen Storage (Resources for the Future, 2020)

Dependendo da rota de produção do hidrogênio, este é categorizado em cores de acordo com suas características. Ainda não existe um consenso no que se refere à esta categorização, no entanto, algumas classificações estão sendo amplamente divulgadas por instituições como IEA, EPE, Hydrogen Council, etc, podendo ser resumidas conforme abaixo:

Fonte: Adaptado de Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio (EPE, 2021)

Hidrogênio Marrom/Preto

Produzidos a partir da gaseificação do carvão mineral (lignito/hulha – hidrogênio marrom, antracito – hidrogênio preto) sem captura, utilização e sequestro do dióxido de carbono resultante do processo.

O Lignito tem em sua composição bastante matéria volátil, isso torna mais fácil a sua conversão para um gás e para produtos petrolíferos do que alguns carvões que apresentam uma qualidade melhor. Porém, sua alta umidade e suscetibilidade de entrar em combustão espontaneamente causa problemas em transporte e armazenamento, o que torna o seu uso mais difícil, fazendo com que as empresas que utilizam essa biomassa estejam, geralmente, localizadas perto da área de mineração desse material. Outro ponto importante é que pela alta umidade e o pouco poder calorífico do Lignito, as emissões de dióxido de carbono são geralmente muito maiores por megawatt (potencial energético) gerado em comparação com carvão preto e carvões “superiores”.

O antracito é criado por metamorfismo e está associado às rochas metamórficas, da mesma forma que o carvão betuminoso (turfa compactada) está associado às rochas sedimentares. O antracito libera alta energia por quilo e queima limpidamente com pouca fuligem, também usado como um filtro médio, o que o torna uma variedade de carvão mais procurado e desta forma de valor mais alto. O carvão fóssil mineral foi formado pelos restos soterrados de plantas tropicais e subtropicais, especialmente durante os períodos Carbonífero e Permiano.

O processo de gaseificação ocorre quando fontes de carbono, no caso o carvão mineral, são expostas ao ar, ou oxigênio puro, e vapor de água em um vaso de pressão a altíssimas temperaturas (mais de 1800°C) e pressões. Essas altas pressões e temperaturas fazem com que diversas reações ocorram gerando uma mistura de gases chamado gás de síntese, geralmente com monóxido de carbono (CO) e hidrogênio (H2) em maior abundância, além de cinzas e escória em processos que usam fontes minerais. É possível aplicar um processo de reforma por vapor, como o que será descrito no hidrogênio cinza a seguir, para converter o CO, que é altamente nocivo, em CO2.

Hidrogênio Cinza

Esse hidrogênio em questão é produzido a partir da reforma de gás natural ou carvão sem CCUS (captura, utilização e sequestro de carbono). Essa forma de produção libera grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global e mudanças climáticas.

A reforma do gás natural, composto em sua maior parte por metano (CH4), inicia com o gás adentrando em um reator e recebendo uma pré-filtração para a retirada do enxofre. Então, o Metano com a ajuda de um catalisador, reage com vapor d’água dentro de um reator em alta temperatura, formando hidrogênio (H2) e monóxido de carbono (CO). Em seguida para melhorar a produção de hidrogênio no processo, mais um catalisador é adicionado onde o monóxido de carbono reage com vapor e forma dióxido de carbono (CO2), dessa forma se torna mais eficaz a etapa final de separação onde o os gases misturados são separados e o hidrogênio puro é armazenado. Atualmente, esta é a forma mais comum de produção de hidrogênio no mundo, mas não há a captura dos gases de efeito estufa produzidos no processo, apesar de uma parte desses gases serem reutilizados para o processo de aquecimento.

Hidrogênio Azul

O hidrogênio azul é produzido por reforma de combustíveis fósseis, assim como o Cinza, porém o processo é seguido da captura e do armazenamento do carbono emitido no processo. É conhecido como “gás descarbonizado” ou “gás de baixo carbono” e é considerado por alguns como uma fonte de energia limpa. Há controvérsias nessa consideração, pois as tecnologias de captura e armazenamento de carbono nem sempre estão livres de problemas ambientais.

Esse hidrogênio em específico é produzido a partir de combustíveis fósseis e gás natural (principalmente pelo método de reforma), porém nesse caso acontece também o método de CCUS (captura, utilização e sequestro de carbono).

O processo de CCUS consiste no armazenamento do carbono por meio de líquidos com catalisadores específicos que, depois de um aquecimento, liberam o gás; ou simplesmente existe uma captura do gás carbônico (CO2) diretamente. Em ambos os casos o CO2 é transportado por meio de dutos até bolsões de armazenamento subterrâneos (“enterrados”) ou armazenados para transporte. Algumas indústrias podem fazer uso desse gás, como a indústria de fertilizantes, a química e a indústria de metanol combustível.

Hidrogênio Rosa

O Hidrogênio Rosa é produzido a partir da eletrólise da água com o uso de energia nuclear. A Eletrólise da água é a decomposição química da água (H2O) gerando os produtos oxigênio (O2) e hidrogênio (H2), através da aplicação de uma corrente elétrica (energia) na água. Nesse caso em específico, a corrente elétrica advém da energia de reatores nucleares.

Reatores nucleares são termoelétricas, ou seja, unidades que geram energia a partir do aquecimento de água, mas que usam a alta energia resultante de reações que acontecem nos núcleos de átomos como fonte de energética para esse aquecimento. Existem duas formas de se produzir energia nuclear, através da fissão ou da fusão nuclear. Hoje apenas a fissão nuclear é comercialmente aplicável, geralmente utilizando de átomos de radioativos de Urânio. Existem pesquisas avançadas em tornar a fusão nuclear comercialmente viável, sendo que em 2022 foi a primeira vez na História que foi possível alcançar um balanço energético positivo nesse processo. Esse tipo de energia pode ter diversas aplicações, sendo principalmente a geração de energia elétrica.

O urânio por sua vez é um recurso finito, apesar de existirem grandes reservas deste material, o que significa que o hidrogênio oriundo desta fonte energética não é renovável. Apesar do ponto positivo de não produzir gases poluentes da atmosfera, ainda existem grandes riscos, tanto do lixo radioativo gerado pelo processo de fissão, que é danoso à natureza, quanto da periculosidade que uma usina deste setor traz consigo (e.g. risco de vazamentos). Caso, no futuro, a fusão nuclear se torne viável, esses problemas não existirão.

Hidrogênio Turquesa

Produzido através da pirolise do metano do gás natural, sendo ele mesmo utilizado como fonte de energia para o processo térmico. Tem como resíduo o carbono sólido (carvão), sendo considerado por isso como uma produção livre de emissões.

O Hidrogênio Turquesa surge com a entrada do metano (CH4) em um reator aquecido a mais de 1000ºC (celsius), que funciona através da utilização de energia proveniente de fontes renováveis. Mais adiante, dentro do reator, ocorre a pirólise (divisão por calor) do metano, resultando em Carbono sólido, ou carvão, (C) e Hidrogênio (H2). Na última etapa, o hidrogênio em forma de gás é coletado na parte superior do reator e o segundo produto (Carvão) sai pela parte de baixo do reator na forma sólida, tornando mais simples o seu armazenamento. Alguns especialistas chamam esse hidrogênio de “hidrogênio de baixa emissão de carbono”.

Hidrogênio Amarelo

Produzido por eletrólise da água com a energia para realizar o processo proveniente de qualquer fonte disponível.

Assim como o Hidrogênio Rosa, o Hidrogênio Amarelo também é produzido a partir da eletrólise da água com o uso de energia elétrica. O diferencial dessa coloração de H2 é a fonte de energia usada na eletrólise, ou na realidade “as fontes de energia”, afinal esse hidrogênio é produzido com uma mistura de energias de fontes como renováveis e de combustíveis fósseis, não sendo possível rastrear a origem da energia utilizada. Essa energia advém das redes do Sistema Interligado Nacional, que é abastecida por diversos tipos de fontes energéticas. Portanto, esse hidrogênio não é considerado limpo e renovável.

Hidrogênio Branco

Este tipo de hidrogênio é encontrado em sua forma natural, como um gás livre, seja em camadas da crosta continental (bolsões de gases), no fundo da crosta oceânica, em gases vulcânicos, em gêiseres ou em sistemas hidrotermais. O hidrogênio Natural/Branco está presente numa ampla gama de formações rochosas e regiões geológicas. Ele surge de uma variedade de fontes naturais como, de origem diagenética (oxidação do ferro) nas bacias sedimentares, da radiólise (eletrólise natural) ou da atividade bacteriana, também de fontes hiperalcalinas que contém emissões de dihidrogênio (2H2), entre outras formas.

O hidrogênio branco é, geralmente, explorado por métodos de perfuração do solo. Mas, atualmente, não existem muitas estratégias e planos para explorar esse tipo de hidrogênio, pois as outras “cores” são muito mais vantajosas e práticas de serem adquiridas e utilizadas.

Hidrogênio Musgo

O processo de gaseificação, no caso da biomassa, ocorre em 4 etapas: a primeira é a secagem, na qual a biomassa perde a água retida; na segunda etapa é utilizada a pirólise para iniciar a decomposição da biomassa e prepará-la para próxima etapa; na terceira etapa ocorre a combustão desse produto; e na quarta etapa ocorre a redução do material onde o carbono e os hidrocarbonetos dos combustíveis utilizados reagem parcialmente com o oxigênio e geram o monóxido de carbono (CO), que é altamente nocivo, e o gás hidrogênio (H2). Este processo ocorre em temperaturas altíssimas, a partir de 900°C.

Essa mistura de gases, produzida na quarta etapa, pode ser posteriormente convertida para nada além de hidrogênio e dióxido de carbono (CO2), adicionando vapor e reagindo sobre um catalisador em um reator de deslocamento de gás de água, facilitando a utilização da tecnologia de CCUS, caso ela seja incluída no processo.

Hidrogênio Verde

Produzido também a partir da eletrólise da água com o uso de energia elétrica, assim como o Rosa e o Amarelo. Neste caso, a eletricidade empregada no processo deve ser advinda necessariamente de fontes renováveis não emissoras de GEEs, principalmente hídrica, eólica e solar. É a alternativa de produção de hidrogênio mais limpa, por ser livre de emissões de gases de efeito estufa (GEE), e assim tem recebido um forte apoio dos governos e das empresas de todo o mundo.

Portanto, acredita-se que o hidrogênio verde seja um dos “combustíveis do futuro”, visto que este poderia ser utilizado em diversas aplicações que hoje são de difícil descarbonização, como nas indústrias do aço, cimento, fertilizantes, vidro, entre outras, bem como alternativa de combustível para veículos, aeronaves e navios.

Ainda há um longo caminho a ser percorrido, visto que o hidrogênio verde, atualmente, representa uma pequena porcentagem do mercado de hidrogênio global e ainda não é economicamente viável. Porém, a exemplo do que ocorreu com a introdução das fontes de energia renováveis nas matrizes energéticas, a tendência é o custo de produção do hidrogênio verde se reduzir à medida que ele ganhar economia de escala e se tornar um processo mais seguro e maduro do ponto de vista tecnológico e financeiro.

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