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Escrito por Daiane Elert, Vinícius Vidoto e Rosane Fukuoka da Mitsidi em junho de 2022

A utilização do hidrogênio como alternativa para descarbonizar a matriz energética vem sendo cada vez mais discutida e sua utilização já faz parte do planejamento estratégico de muitos países.

Mas o que você sabe sobre esse elemento? O que é o hidrogênio verde?

Estas e mais algumas perguntas recorrentes sobre o tema foram objeto do programa Expandir da Mitsidi, disponível no YouTube, e cujas respostas trazemos de forma resumida a seguir.

  1. Quais são as características do Hidrogênio?

O hidrogênio, que está sendo tão discutido quando é abordado o tema da transição energética, é uma molécula formada por dois átomos de hidrogênio. O átomo de hidrogênio é o menor que existe, geralmente formado apenas por um próton e um elétron (apesar de existirem variações radioativas que contém nêutrons no núcleo). A molécula de hidrogênio também é extremamente pequena, sendo formada por dois desses átomos de hidrogênio ligados covalentemente.

Em sua forma molecular, o hidrogênio é gasoso, pouco denso, inodoro, insípido, incolor e não irritante. Entretanto é um gás inflamável e que possui seu ponto de ebulição abaixo de -200°C, como pode ser visto no site da PubChem.

O átomo de hidrogênio é o elemento mais abundante do universo, como podemos ver no artigo de Walter J. Maciel. Já em nosso planeta, ele é o terceiro mais abundante, como dito no site H2Brasil, entretanto ele compõe apenas 0,00005% da atmosfera conforme o artigo, isso leva a conclusão de que esse elemento está, em sua maior parte, associado a outros átomos, na composição de moléculas. A produção do hidrogênio molecular consiste em quebrar essas associações e fornecer condições para que a ligação entre os átomos de hidrogênio aconteça de forma predominante.

O que é o Hidrogênio Verde?

O hidrogênio verde é aquele produzido através de fontes renováveis como solar fotovoltaica e eólica, por meio da eletrólise da água. Nesta paleta de cores utilizadas para classificar o hidrogênio, existem também outras cores que variam conforme o processo de produção. Por exemplo, o hidrogênio cinza é produzido a partir do gás natural sem captura de carbono (CCUS – Carbon Capture Utilisation and Storage) e o hidrogênio azul, que é produzido a partir da reforma do gás natural, mas com captura de carbono (CCUS). Dessa forma, o hidrogênio verde é considerado menos poluente do que o hidrogênio cinza, por exemplo. 

Quais são as vantagens e desvantagens do hidrogênio em relação aos demais combustíveis (gás natural, gasolina, diesel etc.)?

O hidrogênio é um elemento muito interessante do ponto de vista energético pois possui alta densidade energética por peso, de 2,8 a 3 vezes maior do que a gasolina. Porém, uma das principais desvantagens é a baixa densidade energética por volume, da ordem de 4 vezes menor do que a gasolina, o que dificulta a armazenagem e o transporte do gás. 

Qual é a correlação com as células combustíveis à hidrogênio?

As pilhas ou células combustíveis (fuel cells) conseguem transformar a energia química de um combustível, no caso o hidrogênio, em energia elétrica e calor, semelhante ao que ocorre com as baterias, e podem ter diversas aplicações para armazenamento de energia, utilização em veículos elétricos e em sistemas isolados. É um processo inverso ao da eletrólise, na qual o hidrogênio e o oxigênio reagem e liberam energia e água. Como o setor de transportes é um dos maiores emissores de CO2, o uso de veículos movidos a células combustíveis a hidrogênio tem o potencial de contribuir para descarbonizar a matriz energética dos países. 

Cabe destacar, no entanto, que o Brasil possui um grande diferencial se comparado com outros países europeus pois também utiliza o etanol, produzido a partir da cana de açúcar (fonte limpa e renovável), como combustível no setor de transportes. Mesmo assim, ainda é vantajoso ter um veículo movido à célula combustível com H2, ao invés do etanol, porque o rendimento é melhor, além de possuir uma eficiência maior do que um motor à combustão.

Quais são as técnicas de produção do Hidrogênio Verde?

É possível aglutinar as formas de produção do hidrogênio em quatro grandes trilhas: as reformas, as eletrólises, as pirólises e os bioprocessos. Cada uma apresenta vantagens e desvantagens e leva a uma das “colorações” do hidrogênio.

Os processos de reforma são os mais utilizados hoje em dia e se baseiam em reações entre metano e monóxido de carbono e água, produzindo hidrogênio e gás carbônico. Esse processo pode ter uma etapa adicional de captura do gás carbônico, reduzindo seus impactos no clima. É um processo com uma exigência energética moderada, mas que, no geral, possui altos impactos, tanto pelo uso energético, quanto pela liberação de gás carbônico, quanto pelo uso intensivo de água.

Os processos de eletrólise são os mais citados e a maior aposta do mercado neste momento. Basicamente consiste em utilizar energia elétrica para criar uma diferença de potencial elétrico entre um polo positivo e outro negativo, dentro de um equipamento chamado “célula eletrolítica”, fazendo com que as moléculas de água se quebrem e formem moléculas de hidrogênio e de oxigênio. Se a energia elétrica utilizada vier de fontes como a eólica ou a solar, o hidrogênio produzido será considerado hidrogênio verde. Pode ser um processo praticamente livre de emissões em sua operação, mas exige grandes quantidades de energia e de água.

A pirólise é um processo no qual um material orgânico é exposto a altas temperaturas sem a presença de oxigênio, impedindo que ele entre em combustão, e com o aumento da temperatura, as ligações químicas das moléculas deste material se quebram. Caso um hidrocarboneto simples seja utilizado como material orgânico (metano, por exemplo), os produtos deste processo serão apenas hidrogênio e carbono. Caso existam outros átomos na molécula do hidrocarboneto (enxofre ou nitrogênio, por exemplo), reações mais complexas e outras moléculas podem ser liberadas, mas existem otimizações de parâmetros que podem ajudar a gerar o máximo possível de hidrogênio e o mínimo de contaminantes. É um dos processos puramente físico-químicos com menor necessidade energética e sem a necessidade do uso de água, ou a liberação de gás carbônico, mas é necessário um alto nível de otimização para garantir que não existam poluentes no final do processo.

Na figura abaixo, retirada de um artigo da Forbes, vemos a comparação do uso típico de recursos desses três caminhos produtivos para a produção de uma tonelada de hidrogênio.

Os bioprocessos de produção de hidrogênio são ainda subdivididos em tipos de ação biológica, como podemos ver na imagem abaixo retirado do site ScienceDirect, mas, de forma geral, são processos em que um elemento biológico (fungos, algas ou bactérias) é utilizado como elemento principal de produção. No geral, são processos que exigem menos energia, mas tendem a ter uma produção menor e a otimização de parâmetros, para garantir que os organismos produzam o máximo possível de hidrogênio, pode ser altamente complexa.

Fonte: Sciencedirect

Qual é o potencial de produção e utilização do hidrogênio verde no mercado atual, tanto nacional quanto internacional?

Primeiramente, é importante entender como funciona a cadeia do hidrogênio para então compreender todas as suas possibilidades. A figura abaixo representa essa cadeia, desde a produção até o uso final:

Fonte: IRENA

Considerando essa cadeia, no Brasil, a produção de hidrogênio verde a partir de fontes renováveis de energia, como eólica e solar, através do processo de eletrólise, possui um elevado potencial em virtude da participação crescente destas fontes nas matrizes elétrica (84,8%) e energética (48,3%) do país (Dados de 2020, EPE). Comparado com o cenário mundial, as matrizes elétrica e energética possuem 27% e 14%, respectivamente, segundo dados do IEA de 2019. Cabe salientar que ainda há o potencial inexplorado de geração eólica offshore, o qual também poderá ser fonte de energia para a produção de H2 verde.

Considerando a utilização de biocombustíveis (etanol/biodiesel, biogás e bio-resíduos (agroflorestais e agroindustriais) que, por processos de reforma, pirólise ou gaseificação, podem produzir o H2 verde, cabe destacar o grande potencial atrelado à utilização do etanol para produzir o H2 verde em virtude da indústria já consolidada no país.

As regiões mais promissoras para produção de H2 Verde, atrelado a cada fonte em virtude da distribuição da geração existente (SIGA, ANEEL), seguem abaixo:

  • Eólica→ Eletrólise→ Região Nordeste com destaque para o Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí.
  • Solar→ Eletrólise→ Regiões Norte e Nordeste com destaque para o Pará, Ceará, Paraíba, Alagoas, Piauí e extremo norte da Bahia.
  • Etanol→ Reforma→ Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste
  • Biogás→ Pirólise ou gaseificação→ Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste
  • Biodiesel→ Reforma→ Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste
  • Bio-resíduos→ Gaseificação→ Todas as regiões em virtude das diferentes culturas agrícolas.

Fonte: ABH2

Além disso, estudos apontam que o Brasil possui reservas de hidrogênio em sua forma natural (Fonte: Pesquisa Engie em conjunto com a Geo4u) demonstrando presença no solo e poços profundos da Bacia do São Francisco, em Minas Gerais. Além de Minas Gerais, foram estudadas áreas nos estados Ceará, Goiás, Tocantins, Roraima e Bahia. No entanto, essa lista pode ser ainda maior visto que algumas regiões nem foram estudadas.

No Brasil, os principais hubs de produção de hidrogênio verde se concentram no Porto do Pecém no Ceará, no Porto do Açu no Rio de Janeiro e no Porto de Suape em Pernambuco e têm, como motivação, a exportação do H2 Verde para o exterior. 

Internacionalmente, segundo dados divulgados no site da BBC, Austrália, China, Alemanha, Holanda, Arábia Saudita e Chile são os países com os maiores projetos de produção de H2 Verde no mundo. Quanto ao consumo do hidrogênio verde, o Brasil tem os seguintes setores como possíveis offtakers do insumo: Fertilizantes, Cimento, Energia, Mineração, Químico, Siderúrgica, Transportes, Vidros Planos, Alimentação. Cabe destacar que o fertilizante foi o produto mais importado pelo Brasil em 2021, com origem principalmente na Rússia e China. Essa dependência do insumo pode ser minimizada pela fabricação interna do produto com a utilização do H2 verde em substituição ao gás natural para produção de fertilizantes nitrogenados como a amônia. Além disso, pela própria construção dos Hubs de Hidrogênio próximo a importantes portos do país, há uma intenção declarada de exportar esse insumo, principalmente para a Europa. 

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