O Templo da Lei Próspera (na imagem abaixo) é uma das mais antigas construções de madeira criadas pelo homem. Ele tem suportado ventos, chuva, fogo e terremotos por mais de 1.400 anos. Análises dos anéis do pilar central que suportam a estrutura de mais de 32 metros de altura sugerem que a madeira de que ele foi feito foi derrubada em 594.
Na era do aço e do concreto, o Pagode, estrutura encontradas em templos budistas japoneses, é um lembrete da longa história da madeira como material de construção. Novas técnicas mostram que a madeira pode hoje ser usada para a construção de edifícios ainda mais altos. Alguns deles, inclusive, já foram erguidos em cidades ao redor do mundo.
O conjunto de flats de 14 andares da Treet, localizado em Bergen, na Noruega, é atualmente o maior deles. Mas o Brock Commons, dormitório de madeira de 18 andares da University of British Columbia, no Canadá, será finalizado em 2017. Essa é também a data em que se espera iniciarem as obras do Haut em Amsterdã. A Arup, consultoria que trabalha no projeto, diz que ele será construído com pinho europeu sustentável. Alguns arquitetos já até começaram a desenhar arranha-céus de madeira. O Tratoppen, uma torre residencial de quarenta andares que ainda está em fase de projeto em Estocolmo, é um deles.
A madeira tem muitos atrativos como material de construção, além de suas qualidades estéticas. Um prédio de madeira tem quase um quarto do peso de uma estrutura equivalente em concreto reforçado. Isso quer dizer que as fundações podem ser menores.
A madeira é um material sustentável e um “depósito” natural de CO2. As árvores absorveram o carbono da atmosfera, que fica então armazenado dentro da estrutura do edifício. Grandes construções de concreto e aço, por outro lado, tendem a deixar uma enorme pegada de carbono. O motivo principal é a fabricação de material necessário para sustentá-las. A utilização da madeira pode reduzir a pegada de carbono em 60 a 75%, de acordo com alguns estudos.
Há dois desafios principais no uso da madeira para grandes construções. O primeiro é se ela é resistente o suficiente. Nos últimos anos, grandes avanços de engenharia têm sido feitos na madeira manufaturada, e contamos hoje com algumas opções. Uma delas é a madeira laminada-colada-cruzada (em inglês Cross Laminated Timber – CLT), feita a partir de camadas de madeira coladas com suas fibras justapostas em ângulos retos. Enquanto processos como o alinhamento de compostos de fibra de carbono tornam os veículos mais resistentes, a CLT torna as estruturas muito mais rígidas, como indicam estudos internacionais.
Segundo Edward Borgstein, da Mitsidi, há um outro ponto importante: a necessidade de adquirir boa matéria prima. Isso quer dizer que é essencial a utilização de vigas feitas utilizando madeira com certificado de qualidade e origem, como o FSC – Forest Stewardship Council – reconhecido internacionalmente pela verificação do cumprimento de questões ambientais e socioeconômicas de empreendimentos florestais. Além disso, como para qualquer mudança em práticas da construção civil, é essencial que os funcionários passem por treinamento para se acostumarem a lidar com o material e produzir obras de qualidade.
Além de melhorar a sustentabilidade do empreendimento, o uso da madeira abre um leque de novas possibilidades arquitetônicas, com o uso de diferentes formas construtivas, prefabricação e estruturas com acabamentos expostos.
Por exemplo, um recente experimento feito pelo escritório de arquitetura Skidmore, Owings & Merrill, e a Oregon State University, mostra o quão resistente a madeira manufaturada pode ser. Os pesquisadores usaram uma forma híbrida de madeira laminada com ligações de concreto. Trata-se de uma viga de 11 metros de CLT com uma fina camada de concreto reforçado espalhada pela superfície. Camadas mais grossas de concreto foram colocadas nos locais onde o piso é suportado por pilares.
A estrutura foi colocada em um grande equipamento de ensaio e pressionada por uma poderosa prensa hidráulica. Os pesquisadores queriam saber como a estrutura se comportava com a pressão exercida, mas continuaram o experimento para descobrir seus limites. O piso finalmente começou a rachar quando a carga chegou aos 37.200 kg. Isso equivale a quase oito vezes o valor de carga para o qual a estrutura foi projetada.
O concreto foi colocado sobre o piso inicialmente apenas para isolamento sonoro. Mas, no fim das contas ele ajuda a lidar com a segunda maior preocupação de se utilizar madeira: o fogo. O concreto adiciona uma camada de proteção contra incêndios entre os pisos.
Geralmente uma grande massa de madeira, como o piso de CLT, é difícil de queimar sem uma fonte constante de calor. É por esse mesmo motivo que é difícil acender uma fogueira quando só temos só troncos de árvores. A parte de fora do material carboniza, e isso impede que a parte de dentro da madeira inicie combustão.
Os grandes incêndios urbanos do passado, como o Grande Incêndio de Londres, foram quase totalmente desencadeados pela combustão de pedaços menores de madeira, que aumentaram a intensidade do fogo e atingiram edifícios maiores. Atualmente, graças a camadas resistentes ao fogo e sistemas modernos de sprinklers, grandes construções de madeira podem suportar a maioria dos incêndios, reconhece Benton Johnson, líder do projeto ao lado da Skidmore, Owings & Merrill.
Johnson diz que os testes mostram que não apenas a madeira pode ser manufaturada de modo a ser suficientemente forte para a construção, mas que “faz muito sentido usá-la para tal”. Apesar do metro cúbico de concreto ser mais barato que o volume equivalente de madeira, existe ganho considerável no tempo de construção. Ele acredita que o apelo da madeira, visualmente e na questão da sustentabilidade, tornará o material comercialmente atraente para as incorporadoras imobiliárias.
Mas, e quanto a cupins e o apodrecimento do material? “Se não houver cuidados, tanto o aço quanto o concreto podem perder capacidade de suporte tão rápido quanto a madeira”, afirma Michael Ramage, diretor do Centre for Natural Material Innovation da Universidade de Cambridge. Dr. Ramage e seus colegas estão testando a utilização de madeira em grandes construções, incluindo um arranha-céus de 80 andares em apresentado como estudo conceitual em Londres. Caso seja de fato construído, se tornará o segundo maior edifício londrino, atrás apenas do prédio conhecido como “Shard”, que possui 95 andares.
Para uma cidade agitada como Londres, há ainda mais vantagens para a construção de prédios maiores com madeira, acrescenta o Dr. Ramage. Para começar, o local da construção seria muito mais silencioso sem as instalações e máquinas para construção pesada necessárias para execução de fundações profundas, concretagem e instalação de estruturas de aço. Também haveria menos tráfego de veículos relacionados à construção. Calcula-se que para cada caminhão de entrega de madeira seriam necessários outros cinco para transportar a mesma quantidade em concreto e aço. Todos esses fatores refletem no custo total de construção: um prédio de madeira pode ser muito mais barato.
Anders Berensson, arquiteto que desenhou o Tratoppen, acredita que o uso de madeira manufaturada para construção será a forma mais barata para desenvolver grandes edifícios no futuro. Outro benefício do material, diz Berensson, é a possibilidade de esculpir detalhes na madeira facilmente. Em seu projeto atual, o número de cada andar será talhado no exterior do edifício.
Um grande obstáculo para esse renascimento da madeira são as leis, afinal a legislação de construção civil varia ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, as cidades podem ter edifícios de madeira de apenas cinco ou seis andares. É claro que exceções podem ser feitas, e os apoiadores da madeira creem que com o aumento das construções feitas com o material as leis serão ajustadas para a nova realidade.
No Brasil, a realidade das regulamentações construtivas pautada em códigos não unificados e nas regulamentações predominantemente prescritivas dificulta a utilização da madeira como material de construção. Porém, mudanças mais recentes em torno da normatização via critérios de desempenho abre novos caminhos para a utilização de sistemas construtivos em madeira. O novo Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo, aprovado recentemente, retira a limitação de altura máxima das construções de madeira a 8 metros com 2 andares que constava em sua versão de 1992.
É importante citar, entretanto, que apenas o uso de materiais sustentáveis na construção não garante que um edifício também seja sustentável em sua fase de operação. É imprescindível que sejam feitos testes durante a fase de projeto que comprovem o desempenho energético e o conforto para o usuário final, e que levantem oportunidades de otimização através de um processo de Projeto Integrado.
Fonte: The Economist